Anda Tudo Parvo
“Anda tudo parvo”, assim
define um amigo a situação que vivemos. Acrescenta “como o
Governo”, nisso discordo. O nosso governo tem um projecto e segue
com determinação obstinada o seu rumo.
Apesar de tudo persistem no nosso
quotidiano situações de contradição e paradoxo difíceis de
compreender. Recentemente o senhor Presidente vetou uma lei que
previa o fim do voto por correspondência dos nossos emigrantes.
Curiosa lei que retira mais um direito àqueles que durante décadas
foram a mão salvadora da nossa balança de pagamentos, assegurando
com as suas remessas que a falência do país não chegasse mais
cedo. Fecharam-se delegações consulares, mantiveram-se na
instabilidade os trabalhadores de consulados e embaixadas,
delapidou-se o erário público alugando instalações, a peso de
ouro, em zonas prestigiadas das capitais do mundo, quando a compra
desses edifícios seria infinitamente mais vantajosa. O Ministério
dos Negócios Estrangeiros teve sempre destes negócios. Quando as
recentes eleições regionais dos Açores revelaram uma abstenção
de 53,24 por cento, não conseguimos compreender o sentido ou a
preocupação dos nossos excelsos legisladores. Então não haveria
lugar a tornar mais fácil a participação dos cidadãos? Num tempo
em que se declaram impostos, se obtêm registos automóveis e,
milagre dos milagres, até já toda a documentação predial começa
a ser tratada num ápice fruto do maravilhoso mundo novo da internet,
como compreender que os representantes do povo não se empenhem em
representar o povo com um mandato que lhes seja efectivamente
conferido por todo o povo? Ensina a História, a quem se dá a esse
trabalho, que sempre que um povo se alheia do seu destino, haverá
também oportunistas que desvirtuam a dimensão ética das suas
funções de representação.
Claro que podemos ficar
tranquilos quando temos o parlamento polvilhado de deputados sem
medo, insensíveis a pressões, às erradas, claro, às de cidadãos
eleitores. Deputados de psitacismo célere e servil, repetindo,
pressurosos, as palavras do caudilho do momento. É de tal forma
evidente que de nada serve elegermos duzentos e trinta deputados
quando a disciplina de voto leva a vastíssima maioria a levantar o
“derrière” da cadeira ao toque de apito dos capatazes de
serviço. Para este espectáculo lastimável bastariam cinco
deputados, cada um valendo o número de votos expressos em eleições.
Que poupança, que ajuda para o equilíbrio das finanças públicas.
A propósito lembremo-nos de
Camões e do Canto IV dos Lusíadas:
"—Ó glória de mandar!
Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos
Fama!
Ó fraudulento gosto, que se
atiça
C'uma aura popular, que honra
se chama!
[...]
Chamam-te ilustre, chamam-te
subida,
Sendo dina de infames
vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória
soberana,
Nomes com quem se o povo
néscio engana!”
Prof.
M. Rocha Carneiro
In
O
Ilhavense
de 10-02-2009
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